1
Jerusalém é presente, é passado, é futuro…
é rumo da fé, é destino de sonhos.
Jerusalém é mistério das dores dos homens…
é testemunha da fibra de um povo altaneiro.
Jerusalém é seara do tempo invencível…
é marca das horas que as horas não calam.
Jerusalém é rebento que rasga o deserto…
é canto-coragem que (re)desperta nações.
Jerusalém é promessa do mundo por vir…
é fruto maduro que nos ensina esperança.
Jerusalém é semente de aceso fervor…
é grito de guerra no encalço da paz.
2
Eu hoje não chorarei a ausência da minha mãe.
Uma mãe não morre nunca…
ela se transubstancia
na eternidade do seu amor infinito.
E, ao assim fazer-se plena,
minha mãe assentou morada dentro de mim…
fez de mim um sacrário.
Eu hoje não chorarei a ausência da minha mãe.
Ela não morreu… transfigurou-se:
fez-se anjo e habita entre nós.
3
Penedo – mulher penserosa: pés descansados no remanso indolente,
contempla a história que seu rio percorre.
Penedo – mulher carinhosa: acalentou maternal meu primeiro vagido,
embalou frágeis sonhos na minha infância arredia.
Penedo – mulher ciumosa: aninhou-se em meu peito na minha distância escolhida, suprime os espaços a mais recentes amores.
Penedo – mulher caprichosa: em seu ventre de argila hospedará meu silêncio,
quando a luz, afinal, não mais ferir meus sentidos.
4
Mundaú…Manguaba… Águas reclusas que com verde oceano copulam.
São duas irmãs siamesas, trementes por mesmo varão…
são duas irmãs que suspiram de incestuosa paixão.
Mundaú… Manguaba… São duas irmãs que meditam nos rastros benditos da lua…
são duas irmãs fecundadas pelo sêmen viril do Atlântico.
Mundaú… Manguaba… São duas irmãs que se abrasam nas chamas do sol renascido… são duas irmãs concubinas de um mar que lhes salga as entranhas.
Mundaú… Manguaba… São duas irmãs benfeitoras que nutrem o ventre da terra…
são duas irmãs generosas que calam a fome dos homens.
Mundaú… Manguaba… São duas irmãs, filhas do divo Netuno,
são duas irmãs, doces mares, rebentos e mães de destinos.
5
Lembro-me de você como quem se lembra de si,
de uma parte do corpo que a vida amputou,
de um pedaço da vida que viver já não posso.
Pude até lhe tocar a presença impossível:
olhos nublados, pregados no tempo,
cabelos de neve, enrodilhados na nuca.
E a vi, outra vez, passado-presente,
acomodada em seu mundo de sonhos sumidos,
você a resmungar, você a rezar,
você a dedilhar o seu infindo crochê.
E foi só agora,
sem os ressaibos da dor, sem a visão do sem-jeito,
que pude encontrá-la tão viva quão sempre,
pedaço de mim que nem o tempo apartou.
6
Sou a voz que se descobre a prantear por teus afagos.
Sou a vida que se apaga no amargar do teu silêncio.
Sou o mundo que se esvai no não mais ser da esperança.
Sou quem sou, enfim:
sou morte, sou destino, sou restos que imploram,
sou nada, sou loucura, sou mágoa, sou desejos,
sou eu quem já não sou.
7
Para Clarinha Méro
Clara, clarão, claridade:
jorro de luz desbravador de esperanças,
refulgência de paz restauradora de sonhos.
Clara, clarim, clarinada:
murmúrios ingênuos semeadores da fé,
sorriso cantante dissipador das angústias.
Clara, clareira, clarividência:
mundo criança aberto às bênçãos da vida,
certeza pulsante da humanidade possível.
8
Bem-aventuradas as mulheres,
eis que se deixam desandar no orgasmo dos crepúsculos,
porque por nada se desgrudam dos encantos da criação.
Bem-aventuradas as mulheres,
eis que se doam sem medo aos mistérios dos encontros,
porque jamais se convenceram da inutilidade dos abraços.
Bem-aventuradas as mulheres,
eis que nem um pouco se arreceiam da magia da entrega,
porque sabem que se dando se completam na procura.
Bem-aventuradas as mulheres,
eis que, embora seduzidas pelo fascínio da beleza,
não se deixam petrificar pela fugacidade das imagens.
Bem-aventuradas as mulheres,
eis que, ainda que afrontadas pelo mito da costela,
não consentem que Adão lhes afogue a humanidade.
Bem-aventurados os homens,
aqueles que, curados da corrosão do ego inflamado,
dão-se conta dos vazios que só elas lhes preenchem.
9
A quem serviu talhar tamanho medo
Em dias tais de penas torturantes
Se nem a voz de sinos soluçantes
Da morte amputa o travo tão azedo.
Se as horas são assim angustiantes,
Desastre sobre o quê não há segredo,
Que ao menos valha a fé ou seu remedo…
mas que não faltem vozes sossegantes.
O medo vem de íntimo instinto…
No susto até confronta o indistinto.
E nisso às vezes fere sem tardança.
Melhor, talvez, louvar a boa sorte,
Pregar o riso e não jurar de morte.
Se existe dor receite a esperança.
10
– Quem sois,
ó anjo zeloso
que me guardais, protegeis e iluminais?
– Sou sua mãe, meu filho.
Sou aquela a quem Deus o confiou.
– Amém, mãe! Amém.
11
Il avait l’image de Tereza devant les yeux (…)
KUNDERA, Milan: L’insoutenable légèreté de l’être
Existe em Praga
um certo encanto de Tereza.
Será o dulçor que se agarra
nos cotovelos das ruas,
distância-presença
a segredar mistérios.
Será, talvez,
o brancor que se espalha
nas ancas do rio,
fascínio aos ares varados
por tesas torres lascivas.
Existe em Praga
Um certo calor de Tereza.
Será o contrito fervor
das pedras fiéis
aos afagos dos anos.
Será, talvez,
o sanguíneo furor
desse céu compassivo,
confins que se abrasam
no orgasmo da luz.
Existe em Praga
um certo renascer de Tereza.
Será essa ousadia
que atiça a sofreguice da busca,
que empurra ao encalce das horas
na ânsia de recolher as certezas.
Será, talvez,
esta força bendita
que esmaga a sedução das miragens,
ou ainda esse cio bravio
que explode ao referver das paixões.
12
TALVEZ UM POEMA
Para Cleide, por quem respiro
O que há de mais sufocante
do que não ter por perto a pessoa amada?
É um tal de querer ver
e não ter como enxergar…
É um tal de querer ouvir
e não ter como escutar…
É um tal de querer tocar
e ter de aturar o vazio que as mãos alcançam…
É um tal de querer beijar
e ter de confortar os lábios desapontados…
É um tal de querer fundir-se num orgasmo alucinante
e ter de naufragar no enfado da solidão.
Mas não há por que me sentir crucificado…
Antes, remedar a paciência do vulcão:
ele sabe ferver por dentro
enquanto trama os seus arroubos.
Ponta Verde, maio, 11, 2022
13
QUEM É ESTA CRIANÇA?
Sempre há um menino em todos os homens.
CAMUS, Albert
Quem é esta criança
que brinca, que ri, que chora,
que às vezes faz malcriações,
que aqui e ali se esperneia
dentro de você?
Pois fique sabendo que ela responde
pelo mesmo nome a que você acode…
Pois fique sabendo
que ela compartilha a sua história
de trás pra a frente
e da frente pra trás…
Pois fique sabendo que ela
não é mais ninguém
do que você mesmo.
E também saiba que ignorá-la
é ignorar-se…
que repudiá-la
é repudiar-se…
que não reconhecê-la
é não se reconhecer.
Não a deixe falando sozinha.
Vá buscá-la:
encontrá-la é reencontrar-se,
ainda que não lhe traga alegrias
e até possa lhe inflamar velhas feridas,
ainda que lhe não assanhe o riso
e até lhe que acenda o pranto.
Ninguém é pelo que
simplesmente quer ser
mas tal qual foi feito
pelos caminhos
e descaminhos da vida.
E essa criança que lhe vai
na alma é a matriz
do que você foi feito,
do que você é.
Amá-la é amar-se,
conhecê-la é conhecer-se,
resgatá-la é desvendar-se.
VERSOS MIÚDOS
noite prateada
corpos nus a se abrasarem
concerto lunar
*
não ser (talvez ser)
de que vale atormentar-se
não ser já é ser
*
gato a tomar sol
na biqueira do sobrado
em par ruminamos
*
chorar não magoa
o que magoa é a mágoa
que sufoca o sonho
*
manhã de céu tenso
e eu surfando as nuvens
dos meus desencantos
*
sou, sim, seu outro
e os outros são meus outros
ser só é tortura
*
dói vê-la partir
partem com ela as raízes
que me sustentam
*
viver é morrer
a cada sono dormido
morrer cobra a vida
*
não me pergunte
se é por ela que choro
eu choro por mim
*
não maldigo a vida
pelos meus dias amargos
louvo a esperança
*
o sol por si brilha
e é por são ser avaro
que nutre o luar
*
Arde o fogo russo
soluça a Ucrânia
morrem os girassóis
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